07/09/2008

(Matéria publicada no Correio Braziliense em 29 de agosto de 2001)


Carolina Nogueira Da equipe do Correio

Adeptos da União do Vegetal são pessoas comuns, que há 40 anos reúnem-se para beber uma mistura de chacrona e cipó de mariri em busca de luz, paz e amor.
 
Eles são médicos, jornalistas, diplomatas, estudantes, faxineiros. Jovens, velhos, adultos, crianças. Moram no Plano Piloto, em Sobradinho, em Taguatinga... No primeiro e no terceiro sábados do mês, juntam uma muda de roupa e se mudam para um sítio depois de Planaltina, chamado Centro Espírita da União do Vegetal (UDV). 

 A preparação da Hoasca faz parte do ritual da união do vegetal.
A bebida causa uma alteração na consciência, mas não provoca dependência



No meio de muitas plantas, bosques, árvores enormes, eles participam de um ritual que gira em torno do chá Hoasca. Feito de uma mistura das folhas da chacrona com o cipó do mariri amassado, o chá também é usado pelos adeptos do Santo Daime. A matéria-prima sai de lá mesmo. Sempre às 20h, uniformizados, os sócios da UDV sentam-se em cadeiras verdes, iguaizinhas, dispostas como em uma sala de aula, sob um galpão de ferro que fica no meio do bosque. São pouco mais de 100 na unidade central — o Distrito Federal tem mais de 300 adeptos, divididos em quatro unidades. Ao som de uma música suave, eles bebem o chá e, em seguida, em ‘‘outro nível de consciência’’, como dizem, recebem as pregações dos mestres.
Não há Bíblia, orações ou manuscritos. Só palavras, que pregam o desapego a vícios, a prática do bem, a busca da luz, da paz, do amor. Alguns passam mal por causa do chá, chegam a vomitar. A experiência é tida como natural pelos adeptos. As sessões duram quatro horas, mas as reuniões da União não se resumem a elas. Alguns sócios passam o final de semana nos centros. Além das sessões, meditam sozinhos. Conversam, ouvem música, relaxam, tocam violão. Preparam o chá, que só é bebido durante as sessões, cozinham comida — sempre natural. Almoçam, jantam, agem como uma grande família. E depois voltam para suas casas, para suas vidas absolutamente normais. É assim desde que a União do Vegetal nasceu, em Porto Velho, Rondônia, pelas mãos do mestre José Gabriel da Costa. A religião completa seu 40º aniversário esse ano, pregando, além da evolução pessoal, ideais ecológicos. Com princípios cristãos, a doutrina prega o uso do chá como um veículo para Deus. ‘‘Na religião católica, o padre faz a comunhão com a hóstia.
Na UDV, o Vegetal é a comunhão com o Deus consagrado’’, prega o mestre José Luiz de Oliveira, rondoniense que participou da criação da UDV e hoje é o mestre-geral da religião, uma espécie de papa. ‘‘É algo que nos transporta a outras dimensões. No espiritismo kardecista, dizem que outros espíritos baixam nas pessoas. Aqui é o contrário: o seu espírito é que sobe para Deus e depois volta’’, diz.
A ciência explica a seu modo. ‘‘É uma substância que provoca uma alteração na consciência, mas que não causa dependência, porque seu uso é controlado, por ser ritualístico’’, explica o médico psiquiatra Dartiu Xavier, da Escola Paulista de Medicina, que atualmente estuda os efeitos do chá em crianças e adolescentes. Segundo ele, as pessoas relatam visões quando tomam o chá — normalmente lembranças visíveis de seu passado — mas não experimentam alucinações que se confundam com a realidade. ‘‘Há também uma irritação estomacal, que é o que provoca os vômitos’’, explica o médico.

Mestre José Luiz: ‘‘comunhão com o deus consagrado’’


O chá é permitido legalmente — o mariri e a chacrona não estão na lista das substâncias consideradas psicotrópicas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária — mas especialistas condenam seu uso contínuo, especialmente em crianças, alegando danos mentais decorrentes do poder de alteração de consciência das plantas. Recentemente, o Conselho Nacional Anti-Drogas voltou a encomendar estudos sobre substância. A União do Vegetal quer garantir a continuidade do uso legal da planta. Conta, para isso, com o empenho dos mais de 7 mil associados no país. Uns anônimos, outros nem tanto.
Wolney Queiroz 28 anos, deputado federal
De segunda a sexta-feira, ele pode ser encontrado engravatado pelos tapetes verdes da Câmara dos Deputados. Mas nos finais de semana, o deputado federal do PDT pernambucano Wolney Queiroz tira o terno, se veste de simplicidade e refugia-se na chácara da União do Vegetal. Toma o chá Hoasca, medita. Transforma e lapida seu interior, como ele diz. ‘‘Na Câmara, falo pouco sobre isso com os outros, embora esteja fazendo um trabalho pela legalização definitiva do chá’’, explica. Hoje em segundo mandato, o deputado conheceu a União quando tinha 15 anos, em Recife (PE). Criou a unidade da UDV em Caruaru (PE), sua cidade natal, onde ainda freqüenta as sessões, aos finais de semana. ‘‘Não separo minha vida parlamentar da minha vida na União. O que vivo aqui está por trás de todas as atividades do meu dia-a-dia’’, afirma.
Magali Ferreira do Nascimento35 anos, dona-de-casa
Com as mãos ágeis, Magali vai limpando as folhinhas da chacrona que vão virar chá. Está acostumada a mexer com comida, limpando, fervendo, cozinhando. É dona de casa, foi doméstica por muitos anos. Separou-se do marido e ficou só, cuidando dos quatro filhos. ‘‘Quase tudo na minha vida, hoje, é relacionado com a União. Eles me arranjam trabalhos, um dia de limpeza em algum lugar, e agora estão me empregando em um escritório’’, conta, animada. Moradora de Luziânia (GO), ela conheceu a União por um vizinho de sua mãe, que a levou para o centro pela primeira vez. ‘‘Eu ia para festas, bebia um pouco, queria bagunça. Aqui, tomei o chá, recebi orientação. Me senti em casa, entre amigos.’’
Rafael Almeida Mesquita 24 anos, estudante de Administração
Ele alerta logo: não é só estudante de Administração — é formando, termina o curso até o final do ano. Ainda com um sorriso de menino, Rafael fala com naturalidade da opção religiosa que fez na vida, para o jornal e para quem mais quiser saber. ‘‘Na faculdade, não costumo conversar a respeito da União. Eu não preciso ficar explicando isso para todo mundo. Mas se perguntarem, eu respondo sem problemas’’, assume o rapaz, que já nasceu dentro da UDV. ‘‘Passei a minha infância aqui, já convivia com isso tudo, apesar de não ter contato com a liturgia’’. O estudante, que passou três anos na Igreja Batista acompanhando uma namorada que teve, se converteu de vez no ano passado, quando começou a freqüentar o centro com regularidade. ‘‘Eu sou igual a qualquer outra pessoa de 24 anos: vou ao cinema, saio com meus amigos’’, explica. De diferente, a falta de vícios. Álcool e drogas não são tolerados pela União.

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