29/07/2007

Université Rose-Crix Internationale, França

Tradução Rosana Pontes

De acordo com a definição usual, a palavra é a expressão verbal do pensamento e o suporte da comunicação entre os indivíduos. No plano humano, ninguém pode questionar a validade dessa definição, pois as palavras de fato constituem o meio que as pessoas utilizam para trocar idéias. Nesse sentido, toda pessoa privada da palavra e da audição sente dificuldade para se fazer entender, uma vez que poucas pessoas são capazes de se comunicar de outro modo além de falando e ouvindo os outros falarem. Com relação a isso, devemos notar que um dos objetivos do misticismo é desenvolver nossa aptidão de nos comunicarnos mentalmente com outras pessoas, a fim de não precisarmos recorrer sistematicamente ao intercâmbio verbal quando queremos transmitir uma idéia a alguém. Isso não quer dizer que devemos tentar substituir todas as nossas conversações corriqueiras por transmissões de pensamento, pois tal coisa é impossível. Significa simplesmente que não devemos negligenciar a eficiência da comunicação mental. É óbvio que a linguagem que os seres humanos utilizam hoje nem sempre teve essa mesma fonna. Com efeito, qualquer que seja a língua a que nos referimos, ela é o resultado de uma evolução muito longa através do tempo e talvez até mesmo do espaço. Os antropólogos são unânimes em afirmar que a palavra, antes de se tomar um meio de comunicação entre os seres, era um meio de expressão. Dito de outro modo, as palavras foram utilizadas primeiro para exprimir um estado emocional, antes de o serem para traduzir uma idéia. Por esse motivo, a linguagem articulada apareceu relativamente tarde na história da humanidade, pois, originalmente, não passava de uma combinação esparsa de sons, gritos ou interjeições que visavam manifestar sentimentos como o medo, o descontentamento, a raiva ou, ao contrário, o bem-estar, a alegria e a serenidade.

À medida que a consciência humana se desenvolveu, a linguagem se estruturou, o que prova que ela sempre foi um reflexo do grau de inteligência que o ser humano havia alcançado num dado momento de sua evolução. Entretanto, devemos notar que mesmo em sua forma mais primitiva a linguagem permitia que o indivíduo exteriorizasse um estado interior e desse a conhecer aos seus congêneres o que ele estava sentindo em determinada circunstância. Com o tempo, a linguagem humana se sofisticou e hoje se traduz no uso da palavra, que permite exprimir um estado tanto emocional como mental. Nesse sentido, dispomos hoje de uma linguagem particularmente rica, que nos permite comunicar aos outros nossas emoções e também nossas idéias. Isso é o que, aliás, nos diferencia dos animais, ainda que seja evidente que eles possuem uma linguagem própria.

Dizem que a linguagem humana é dotada de um poder evocador não é suficiente, porque ela possui também uma influência criadora que dá uma dimensão toda especial às palavras que pronunciamos. É isso que explica por que em todas as religiões, desde tempos mais remotos, os místicos sempre atribuíram um poder criador à palavra. Para eles, as palavras correspondem a formas-pensamentos, cuja natureza vibratória exerce uma influência não apenas em quem que as pronuncia, como também nas pessoas que as escutam. E essa influência, conforme as emoções ou idéias expressas, pode ser positiva ou negativa. Isso significa que o poder criador da linguagem humana pode ser construtivo ou destrutivo, embora não possamos negar que bem poucas pessoas têm consciência dos efeitos que suas palavras podem ter sobre elas e ao seu redor. Quer o saibamos ou não, tudo o que dizemos põe em movimento vibrações que contribuem para a harmonia ou, contrário, que geram a discórdia. Se isso acontece, é porque as palavras são carregadas do estado emocional e mental da pessoa que as pronuncia.

Sendo assim, é fácil compreender que, quando esse estado é positivo, as palavras pronunciadas transmitem, para além das aparências, vibrações de natureza igual. Inversamente, quando ele é negativo, a influência exercida também o é. A melhor prova disso é o fato de que podemos sentir se uma pessoa está calma, preocupada ou irritada, unicamente pelo tom e pela intensidade de sua voz, porque ela cria na atmosfera uma ambiência vibratória que traduz seus pensamentos e emoções. Por exemplo, quando uma pessoa está com raiva, seu modo de falar é tal que ela perturba negativamente seu ambiente imediato, a ponto de conseao guir comunicar aos outros seu estado colérico. Inversamente, a experiência demonstra que uma pessoa perfeitamente serena consegue transmutar um ambiente ruim e restaurar a harmonia simplesmente falando.

O melhor exemplo do poder criador das palavras nos é dado pela utilização mística dos sons vocálicos. Conforme explicado em nossos ensinamentos, cada som vocálico veicula uma energia vibratória que produz efeitos fisicos, psíquicos e espirituais específicos, tanto em nós mesmos como à nossa volta. É exatamente por essa razão que os Rosacruzes os entoam para neutralizar certos estados patológicos do corpo ou para ativar certas faculdades latentes. Isso é possível porque todo som vocálico verdadeiramente místico, quando entoado corretamente, vibra em harmonia com as forças construtivas do universo. Por isso, sua entoação nos permite usufruir a influência positiva dessas forças. Saibam que toda palavra emitida pela voz humana, seja ela mística ou não, produz efeitos definidos nos seres ou nas coisas, pois, como vimos, ela é uma combinação de vibrações que veiculam, ao mesmo tempo, um ou mais sons e um estado de consciência específico.

Não podemos falar da linguagem sem mencionar aquilo que os Rosacruzes ensinam há séculos a respeito da Palavra Perdida. De acordo com nossa Ontologia, toda a Criação foi concebida no Pensamento Divino e depois projetada no espaço pelo som do Verbo, considerado tradicionalmente como a Vibração Primordial. Em outras palavras, tudo o que existe, tanto no plano visível como no invisível, é o resultado do poder criador da Linguagem Divina. Isso está perfeitamente expresso no Evangelho segundo São João que, talvez mais que qualquer outro escrito místico, traduz maravilhosamente bem essa idéia. O texto que todos conhecemos, mas que, em função de sua beleza e profundidade, merece ser relembrado, diz

“No começo era o Verbo E o Verbo estava em Deus Eo Verbo era Deus.

Ele estava no princípio com Deus.

Todas as coisas foram feitas por Ele

E sem Ele nada foi feito.

Nele estava a Vida, E a Vida era a Luz dos Homens.

E a Luz resplandeceu nas trevas,

Mas as trevas a repeliram”.

Ao contrário das ideias correntes, a Bíblia não é a única referência à palavra perdida. Já no Egito antigo os sacerdotes referiam-se a ela pelo nome “ptah” (pronuncia-se pitá).

Num texto encontrado em Mênfis, está escrito: “Ptah, o Grande, é o Pensamento e a Língua dos deuses, e o Pensamento é o que dá nascimento a todas as manjfestações... De Ptah procedeu ao poder do Pensamento e da Língua”.

Na Grécia antiga, os filósofos falavam do “Logos “, que para eles era a Palavra Criadora a partir da qual todo o universo emanou. Mas o valor atribuído ao poder criador do Verbo Original não se limita nem ao Egito antigo nem à Grécia antiga, porque civilizações ainda mais antigas já se referiam a ele. Os sumérios, por exemplo, consideravam as palavras como entidades reais e vivas, dotadas de um poder que reflete o do Verbo Divino. Uma inscrição encontrada num templo sumério, datando de 2850 antes de nossa era, diz o seguinte: “A Palavra que Ele pronunciou no alto fez tremer o céu, e a Palavra que Ele pronunciou em baixo fez tremer a terra”.

Para darmos um último exemplo que revela a importância que as civilizações do passado atribuíam à linguagem, encontramos constantes referências à Palavra de Jeová na teologia hebraica, que apresenta grandes semelhanças com a teologia babilônica. Num dos salmos do Antigo Testamento, está escrito: “Pela Palavra de Jeová, os Céus foram criados, e pelo Alento de Sua boca, todos os seus exércitos”. Vale observar que os hebreus nunca pronunciavam o nome de Deus, pois o consideravam inefável e achavam que a voz humana não é suficientemente pura para pronunciá-lo. Aliás, os judeus de hoje ainda pensam desse modo. Por outro lado, as palavras empregadas nos textos sagrados do judaísmo, incluindo os dois que são destinados a serem lidos, possuem algumas virtudes místicas que estão ligadas à sua pronúncia e seu valor numérico. Isso é particularmente notável nos escritos cabalísticos.

Todas as tradições, portanto, referem-se a uma Palavra, um Verbo, um Logos, que é a expressão viva do Pensamento Divino. Posto que o ser humano, do ponto de vista místico, foi criado à imagem de Deus, ele próprio é dotado da palavra e, conseqüentemente, da possibilidade de exprimir seus pensamentos. Mas o ser humano é dotado também do livre-arbítrio e pode, portanto, servir tanto ao mal como ao bem, seja no que pensa, no que diz ou no que faz. Em conseqüência, as palavras que ele emprega podem canalizar energias negativas ou positivas, conforme o sentido profundo que ele lhes dá. Como Rosacruzes, nosso objetivo principal deve ser o de purificar nossa maneira de pensar e de utilizar a palavra, com o único propósito de dizer coisas úteis e construtivas. Quando não fazemos isso, contribuímos para a criação de formas-pensamentos nocivos ao bem-estar físico, psíquico e espiritual da humanidade.

Além disso, devemos cuidar para que as palavras que pronunciamos sejam as mais evocativas possíveis, pois a arte de bem falar consiste em exprimir o máximo de idéias recorrendo a um mínimo de palavras. Foi essa dupla verdade que Boileau (pronuncia-se “Bualô”) exprimiu perfeitamente nos seguintes termos: “Tudo o que é bem concebido é claramente enunciado”. Concluindo, gostariamos de citar o que diz o Corão acerca da palavra:

“Uma boa palavra é como uma boa árvore, cuja raiz é sólida e cujos ramos vão até o céu. Ela dá frutos em todas as estações, com a permissão do Senhor. Uma palavra ruim é como uma árvore ruim, que foi arrancada da terra; ela deixou de ter utilidade”.

Lembremo-nos sempre de que existe uma relação constante entre o que pensamos e o que dizemos. Se nosso mais caro anseio é verdadeiramente o de nos aperfeiçoar, devemos fazer o máximo para dominar nossas palavras, colocando-as a serviço do poder criador do pensamento positivo. Assim fazendo, refletiremos verdadeiramente a grandeza do Cósmico, pois nossos pensamentos e palavras serão realmente instrumentos do Pensamento e da Palavra do Deus do nosso coração.