(Matéria publicada no Correio Braziliense em 29 de agosto de 2001)
Adeptos da
União do Vegetal são pessoas comuns, que há 40 anos reúnem-se para beber uma
mistura de chacrona e cipó de mariri em busca de luz, paz e amor

tos: Carlos Moura |
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A
preparação da Hoasca faz parte do ritual da união do vegetal. A bebida causa
uma alteração na consciência, mas não provoca dependência
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Mestre
José Luiz: ‘‘comunhão com o deus consagrado’’
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Eles são
médicos, jornalistas, diplomatas, estudantes, faxineiros. Jovens, velhos,
adultos, crianças. Moram no Plano Piloto, em Sobradinho, em Taguatinga... No
primeiro e no terceiro sábados do mês, juntam uma muda de roupa e se mudam para
um sítio depois de Planaltina, chamado Centro Espírita da União do Vegetal
(UDV).
No meio de
muitas plantas, bosques, árvores enormes, eles participam de um ritual que gira
em torno do chá Hoasca. Feito de uma mistura das folhas da chacrona com o cipó
do mariri amassado, o chá também é usado pelos adeptos do Santo Daime. A
matéria-prima sai de lá mesmo. Sempre às 20h, uniformizados, os sócios da UDV
sentam-se em cadeiras verdes, iguaizinhas, dispostas como em uma sala de aula,
sob um galpão de ferro que fica no meio do bosque. São pouco mais de 100 na
unidade central — o Distrito Federal tem mais de 300 adeptos, divididos em
quatro unidades. Ao som de uma música suave, eles bebem o chá e, em seguida, em
‘‘outro nível de consciência’’, como dizem, recebem as pregações dos mestres.
Não há Bíblia,
orações ou manuscritos. Só palavras, que pregam o desapego a vícios, a prática
do bem, a busca da luz, da paz, do amor. Alguns passam mal por causa do chá,
chegam a vomitar. A experiência é tida como natural pelos adeptos. As sessões
duram quatro horas, mas as reuniões da União não se resumem a elas. Alguns
sócios passam o final de semana nos centros. Além das sessões, meditam
sozinhos. Conversam, ouvem música, relaxam, tocam violão. Preparam o chá, que
só é bebido durante as sessões, cozinham comida — sempre natural. Almoçam,
jantam, agem como uma grande família. E depois voltam para suas casas, para
suas vidas absolutamente normais. É assim desde que a União do Vegetal nasceu,
em Porto Velho, Rondônia, pelas mãos do mestre José Gabriel da Costa. A
religião completa seu 40º aniversário esse ano, pregando, além da evolução
pessoal, ideais ecológicos. Com princípios cristãos, a doutrina prega o uso do
chá como um veículo para Deus. ‘‘Na religião católica, o padre faz a comunhão
com a hóstia.
Na UDV, o
Vegetal é a comunhão com o Deus consagrado’’, prega o mestre José Luiz de
Oliveira, rondoniense que participou da criação da UDV e hoje é o mestre-geral
da religião, uma espécie de papa. ‘‘É algo que nos transporta a outras
dimensões. No espiritismo kardecista, dizem que outros espíritos baixam nas
pessoas. Aqui é o contrário: o seu espírito é que sobe para Deus e depois
volta’’, diz.
A ciência
explica a seu modo. ‘‘É uma substância que provoca uma alteração na
consciência, mas que não causa dependência, porque seu uso é controlado, por
ser ritualístico’’, explica o médico psiquiatra Dartiu Xavier, da Escola
Paulista de Medicina, que atualmente estuda os efeitos do chá em crianças e
adolescentes. Segundo ele, as pessoas relatam visões quando tomam o chá —
normalmente lembranças visíveis de seu passado — mas não experimentam
alucinações que se confundam com a realidade. ‘‘Há também uma irritação
estomacal, que é o que provoca os vômitos’’, explica o médico.
O chá é
permitido legalmente — o mariri e a chacrona não estão na lista das substâncias
consideradas psicotrópicas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária — mas especialistas
condenam seu uso contínuo, especialmente em crianças, alegando danos mentais
decorrentes do poder de alteração de consciência das plantas. Recentemente, o
Conselho Nacional Anti-Drogas voltou a encomendar estudos sobre substância. A
União do Vegetal quer garantir a continuidade do uso legal da planta. Conta,
para isso, com o empenho dos mais de 7 mil associados no país. Uns anônimos,
outros nem tanto.
Wolney Queiroz 28 anos, deputado federal
De segunda a sexta-feira, ele pode ser encontrado engravatado pelos
tapetes verdes da Câmara dos Deputados. Mas nos finais de semana, o deputado
federal do PDT pernambucano Wolney Queiroz tira o terno, se veste de
simplicidade e refugia-se na chácara da União do Vegetal. Toma o chá Hoasca,
medita. Transforma e lapida seu interior, como ele diz. ‘‘Na Câmara, falo pouco
sobre isso com os outros, embora esteja fazendo um trabalho pela legalização
definitiva do chá’’, explica. Hoje em segundo mandato, o deputado conheceu a
União quando tinha 15 anos, em Recife (PE). Criou a unidade da UDV em Caruaru
(PE), sua cidade natal, onde ainda freqüenta as sessões, aos finais de semana.
‘‘Não separo minha vida parlamentar da minha vida na União. O que vivo aqui
está por trás de todas as atividades do meu dia-a-dia’’, afirma.
Magali Ferreira do Nascimento35 anos, dona-de-casa
Com as mãos ágeis, Magali vai limpando as folhinhas da chacrona que vão
virar chá. Está acostumada a mexer com comida, limpando, fervendo, cozinhando.
É dona de casa, foi doméstica por muitos anos. Separou-se do marido e ficou só,
cuidando dos quatro filhos. ‘‘Quase tudo na minha vida, hoje, é relacionado com
a União. Eles me arranjam trabalhos, um dia de limpeza em algum lugar, e agora
estão me empregando em um escritório’’, conta, animada. Moradora de Luziânia
(GO), ela conheceu a União por um vizinho de sua mãe, que a levou para o centro
pela primeira vez. ‘‘Eu ia para festas, bebia um pouco, queria bagunça. Aqui,
tomei o chá, recebi orientação. Me senti em casa, entre amigos.’’
Rafael Almeida Mesquita 24 anos, estudante de Administração
Ele alerta logo: não é só estudante de Administração —
é formando, termina o curso até o final do ano. Ainda com um sorriso de menino,
Rafael fala com naturalidade da opção religiosa que fez na vida, para o jornal
e para quem mais quiser saber. ‘‘Na faculdade, não costumo conversar a respeito
da União. Eu não preciso ficar explicando isso para todo mundo. Mas se
perguntarem, eu respondo sem problemas’’, assume o rapaz, que já nasceu dentro
da UDV. ‘‘Passei a minha infância aqui, já convivia com isso tudo, apesar de
não ter contato com a liturgia’’. O estudante, que passou três anos na Igreja
Batista acompanhando uma namorada que teve, se converteu de vez no ano passado,
quando começou a freqüentar o centro com regularidade. ‘‘Eu sou igual a
qualquer outra pessoa de 24 anos: vou ao cinema, saio com meus amigos’’,
explica. De diferente, a falta de vícios. Álcool e drogas não são tolerados
pela União.
1 comentários :
Otima matéria, pois mostra o quanto somos normais perante todos e que o uso ritualistico da bebida sagrada é para todas as classes, onde ali naquele momento, o medico e a lavandeira são uma só pesso em busca de um ideal...
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