25/09/2007

Para acessar o Índice Geral, clique aqui!
Os primeiros cristãos comunicavam-se com os Espíritos dos mortos e deles recebiam ensinamentos. Nenhuma dúvida é possível sobre esse ponto, porque são abundantes os testemunhos. Resultam dos próprios textos dos livros canônicos, textos que conseguiram escapar às vicissitudes dos tempos e cuja autenticidade é indubitável (18). O Cristianismo repousa inteiramente em fatos de aparição e manifestação dos mortos e fornece inúmeras provas da existência do mundo invisível e das almas que o povoam. Essas provas são igualmente abundantes no Antigo e Novo Testamento. Num como noutro, encontram-se aparições de anjos (19) dos Espíritos dos justos, avisos e revelações feitos pelas almas dos mortos, o dom de profecias (20) e o dom de curar “(21). Em o Novo Testamento são referidas as aparições do próprio Jesus, depois do seu suplício e sepultura”. A existência do Cristo havia sido uma constante comunhão com o mundo invisível. O filho de Maria era dotado de faculdades que lhe permitiam conversar com os Espíritos. Estes, muitas vezes, tornavam-se visíveis ao seu lado. Seus discípulos o viram, assombrados, conversar um dia no Tabor com Elias e Moisés (22) . Nos momentos críticos, quando uma questão o embaraça, como no caso da mulher adúltera, ele evoca as almas superiores e com o dedo traça na areia a resposta a dar, do mesmo modo que em nossos dias o médium, movido por força estranha, traça caracteres na ardósia. Esses fatos são conhecidos, relatados, mas outros muitos, relacionados com essa permuta assídua com o invisível, permaneceram ignorados dos homens, mesmo daqueles que o cercavam. As relações do Cristo com o mundo dos Espíritos se afirmam pelo constante amparo que do Além recebia o divino mensageiro. Por vezes, apesar da sua coragem, da abnegação que inspira todos os seus atos, perturbado pela grandeza da tarefa, ele eleva a alma a Deus; ora, implora novas forças e é atendido. Grandioso sopro lhe bafeja a mente. Sob um impulso irresistível, ele reproduz os pensamentos sugeridos; sente-se reconfortado, socorrido. Nas horas solitárias, seus olhos distinguem letras de fogo que exprimem as vontades do céu (23) soam vozes aos seus ouvidos, trazendo-lhe resposta às suas ardentes preces. É a transmissão direta dos ensinos que deve divulgar, são preceitos regeneradores para cuja propagação baixara a Terra. As vibrações do supremo pensamento que anima o Universo lhe são perceptíveis e lhe incutem esses eternos princípios que espalhará e que jamais se hão de apagar da memória dos homens. Ele percebe celestes melodias e seus lábios repetem as palavras escutadas, sublimes revelação, mistério ainda para muitos seres humanos, mas para ele confirmação absoluta dessa constante proteção e das intuições que lhe provêm dos mundos superiores. E quando essa grande vida terminou, quando se consumou o sacrifício, depois que Jesus foi pregado à cruz e baixou ao túmulo, seu Espírito continuou a afirmar-se por novas manifestações. Essa alma poderosa, que em nenhum túmulo poderia ser aprisionada, aparece aos que na Terra havia deixado tristes, desanimados e abatidos. Vem dizer-lhes que a morte nada é. Com a sua presença lhes restitui a energia, a força moral necessária para cumprirem a missão que lhes fora confiada. As aparições do Cristo são conhecidas e tiveram numerosos testemunhos. Apresentam flagrantes analogias com as que em nossos dias são observadas em diversos graus, desde a forma etérea, sem consistência, com que aparece à Maria Madalena e que não suportaria o mínimo contacto, até a completa materialização, tal como a pôde verificar Tomé, que tocou com a própria mão as chagas do Cristo (24). Daí esse contraste nas palavras de Jesus: "Não me toques" - diz ele à Madalena - ao passo que convida Tomé a pôr o dedo nos sinais dos cravos: "Chega também a tua mão e mete-a no meu lado". Jesus aparece e desaparece instantaneamente. Penetra numa casa a porta fechadas. Em Emaús conversa com dois dos discípulos que o não reconhecem, e desaparece repentinamente. Acha-se de posse desse corpo fluídico, etéreo, que há em todos nós, corpo sutil que é o invólucro inseparável de toda alma e que um alto Espírito como o seu sabe dirigir, modificar, condensar, rarefazer a vontade (25). E a tal ponto o condensa, que se torna visível e tangível aos assistentes. As aparições de Jesus depois da morte são mesmo a base, o ponto capital da doutrina cristã e foi por isso que São Paulo disse: "Se o Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé." No Cristianismo não é uma esperança, é um fato natural, um fato apoiado no testemunho dos sentidos. Os apóstolos não acreditavam somente na ressurreição; estavam dela convencidos. E é por essa razão que a sua prédica adquiria aqueles tons veementes e penetrantes, que incutia uma convicção robusta. Com o suplício de Jesus o Cristianismo era ferido em pleno coração. Os discípulos, consternados, estavam prestes a se dispersarem. O Cristo, porém, lhes apareceu e a sua fé se tornou tão profunda que, para a confessar, arrostaram todos os suplícios. As aparições do Cristo depois da morte asseguraram a persistência da idéia cristã, oferecendo-lhe como base todo um conjunto de fatos. Verdade é que os homens lançaram a confusão sobre esses fenômenos, atribuindo-lhes um caráter miraculoso. O milagre é uma postergação das leis eternas fixadas por Deus, obras que são da sua vontade, e seria pouco digno da suprema Potência exorbitar da sua própria natureza e variar em seus decretos. Jesus, conforme a Igreja, teria ressuscitado com o seu corpo carnal. Isso é contrário ao primitivo texto do Evangelho. Aparições repentinas, com mudanças de forma, que se produzem em lugares fechados, não podem ser senão manifestações espíritas, fluídicas e naturais. Jesus ressuscitou, como ressuscitaremos todos, quando nosso espírito abandonar a prisão de carne. Em Marcos e Mateus, e na descrição de Paulo (lá Corínt., XV), essas aparições são narradas do modo mais conciso. Segundo Paulo, o corpo do Cristo é incorruptível; não tem carne nem sangue. Essa opinião procede da mais antiga tradição. A materialidade só veio mais tarde, com Lucas. A narrativa se complica então e é enfeitada com particularidades maravilhosas, no intuito evidente de impressionar o leitor (26). Esse modo de ver, como em geral toda teoria do milagre, resulta de uma falsa interpretação das leis do Universo. O mesmo sucede com a idéia do sobrenatural, que corresponde a uma concepção deficiente da ordem do mundo e das normas da vida. Na realidade, nada existe fora da Natureza, que é a obra divina em sua majestosíssima expansão. O erro do homem provém da acanhada idéia que ele faz da Natureza e das formas da vida, limitadas para ele à esfera traçada pelos seus sentidos. Ora, nossos sentidos apenas abrangem porção muitíssimo restrita do domínio das coisas. Além desses limites que eles nos impõem, a vida se desdobra sob aspectos ricos e variados, sob formas sutis, quintessenciadas, que se graduam, se multiplicam e renovam até ao infinito. A esse domínio do invisível pertence o mundo fluídico, povoado pelos Espíritos dos homens que viveram na Terra e se despojaram do seu grosseiro invólucro. Subsistem eles, sob essa forma sutil de que acabamos de falar, forma ainda material posto que etérea, porque a matéria afeta muitos estados que não nos são familiares. Essa forma é a imagem, ou antes, o esboço dos corpos carnais que esses Espíritos animaram em suas vidas sucessivas. Passam eles, mas a forma permanece, como a alma, de que é o organismo indestrutível. Os Espíritos ocupam diferentes posições em harmonia com a sua elevação moral. Sua irradiação, brilho, poder, são tanto maiores quanto mais alto houverem subido na escala das virtudes, das perfeições, e quanto maior tiver sido a sua dedicação em servir a causa do bem e da Humanidade. São esses seres, ou Espíritos, que se manifestam em todas as épocas da História e em todos os meios, tendo como intermediários sensitivos especialmente dotados, e que, conforme os tempos, se denominam adivinhos, sibilas, profetas ou médiuns. As aparições que assinalam os primeiros tempos do Cristianismo, como as bíblicas épocas mais longínquas, não são fenômenos isolados mas a manifestação de uma lei universal, eterna, que sempre presidiu às relações entre os habitantes dos dois mundos, o mundo da matéria grosseira, a que pertencemos, e o mundo fluídico invisível, povoado pelos Espíritos dos que denominamos tão impropriamente os mortos (27). Apenas em época recente foi que essa ordem de manifestações pôde ser estudada pela Ciência. Graças às observações de numerosos sábios, a existência do mundo dos Espíritos foi positivamente estabelecida e as leis que o regem foram determinadas com certa precisão. Conseguiu-se reconhecer a presença em cada ser humano, de um duplo fluídico que sobrevive à morte, no qual foi reconhecido o envoltório imperecível do Espírito. Esse duplo, que já se desprende durante o êxtase e o sono, que se transporta e opera a distância durante a vida, torna-se, depois da separação definitiva do corpo carnal, e de um modo mais completo, o instrumento fiel e o centro das energias ativas do Espírito. Mediante esse invólucro fluídico é que o Espírito preside a tais manifestações de além-túmulo, que já não são segredo para ninguém, desde que comissões científicas lhe estudaram os múltiplos aspectos, chegando a pesar e fotografar os Espíritos, como o fizeram W Crookes com o Espírito de Katie King, Russell Wallace e Aksakof com os de Abdullah e John King (28). É provável que o dom das línguas, conferido aos apóstolos, oferecesse analogias com o fenômeno que, sob o nome de xenoglossia, atualmente conhecemos. A luz ódica de Reichenbach e a matéria radiante explicam a auréola dos santos; as chamas ou "línguas de fogo", que apareceram no dia de Pentecostes, reproduzem-se hoje em dia nos fatos comunicados ao Congresso Espiritualista de 1900 pelo Doutor Bayol, senador pelo Distrito das Bocas do Ródamo (29), e finalmente as visões dos mártires são fenômenos da mesma ordem que os em nosso tempo observados no momento da morte de certas pessoas (30). Assim, também, o desaparecimento do corpo de Jesus do sepulcro em que fora depositado, pode explicar-se pela desagregação da matéria, observada há alguns anos em sessões de experimentação psíquica (31). Durante muito tempo não viram nisso os homens senão fatos miraculosos, provocados pelo próprio Deus ou por seus anjos, opinião cuidadosamente alimentada pelos padres, a fim de impressionar a imaginação das massas e torná-las mais submissas ao seu poder. Nas Escrituras encontramos freqüentes exemplos dos erros de que foram objeto esses fenômenos. Em Patmos, João vê aparecer um gênio que, a princípio, ele quer adorar, mas que lhe afirma ser o Espírito de um dos profetas seu irmão “(32) Nesse caso, foi dissipado o erro; o Espírito deu a conhecer a sua personalidade; em quantos outros casos, porém, não foi ele mantido? É o mesmo que se dá com a intervenção, tão freqüente, dos anjos da Bíblia. É preciso nos pôr em guarda contra as tendências dos judeus e dos cristãos no sentido de atribuir a Deus e aos seus anjos fenômenos produzidos pelos Espíritos dos mortos, e a cujo respeito competia à nossa época fazer a luz, restabelecendo-os em sua verdadeira categoria”. Na época de Jesus, a crença na imortalidade estava enfraquecida. Os judeus achavam-se divididos a respeito da vida futura. Os cépticos saduceus aumentavam em número e influência. Vem Jesus. Torna mais amplas as vias de comunicação entre o mundo terrestre eo mundo espiritual. Aproxima a tal ponto os invisíveis dos humanos, que eles se podem novamente corresponder. Com mão possante levanta o véu da morte e surgem visões do âmago da sombra; no meio do silêncio fazem-se ouvir vozes; e essas visões e essas vozes vêm afirmar ao homem a imortalidade da vida. O Cristianismo primitivo afeta, pois, esse caráter particular de ter aproximado as duas humanidades, terrestre e celeste; tornou mais intensas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Efetivamente, em cada grupo espírita, as pessoas se entregavam a evocações; havia médiuns falantes, inspirados, de efeitos físicos, como está escrito no capítulo XII da primeira epístola de São Paulo aos Coríntios. Então, como hoje, certos sensitivos possuíam o dom da profecia, o dom de curar, o de expelir os maus Espíritos (33). Na Epístola citada, S. Paulo fala também do corpo espiritual, imponderável, incorruptível: "O homem é colocado na terra como um corpo animal, e ressuscitará como um corpo espiritual; do mesmo modo que há um corpo animal, há um corpo espiritual." (I Coríntios, XV, 44) Fora um fenômeno espírita, a aparição de Jesus no caminho de Damasco, o que havia feito de S. Paulo um cristão (34) ; Paulo não conhecera o Cristo e, no momento dessa visão, que decidiu do seu destino, bem longe estava de achar-se preparado para a sua ulterior tarefa. "Respirando sempre ameaças de morte contra os discípulos do Senhor", munido contra eles de ordens de prisão, seguira para Damasco a fim de os perseguir. Nesse caso, não cabe invocar, como a respeito dos apóstolos se poderia fazer, um fenômeno de alucinação, provocado pela constante recordação do Mestre. Essa visão, ao demais, não foi isolada; em todo o subseqüente curso de sua vida, Paulo entreteve assíduas relações com o invisível, particularmente com o Cristo, de quem recebia as instruções indispensáveis à sua missão. Ele mesmo declara que haure inspirações nos colóquios secretos com o filho de Maria. S. Paulo não foi apenas assistido por Espíritos de luz, de que se fazia o porta-voz e o intérprete (35) Espíritos inferiores por vezes o atormentavam, e era-lhe necessário resistir à sua influência (36) É assim que, em todos os meios, para educação do homem e desenvolvimento da sua razão, a luz e a sombra, a verdade e o erro se misturam. O mesmo se dá no domínio do moderno Espiritualismo, em que se encontram todas as ordens de manifestações, desde as comunicações do mais elevado caráter até os grosseiros fenômenos produzidos por Espíritos atrasados. Mas esses também têm a sua utilidade, do ponto de vista dos elementos de observação e dos casos de identidade que fornecem à Ciência. S. Paulo conhecia estas coisas. Lecionado pela experiência, ele advertia os profetas (37), seus irmãos, a fim de se conservarem em guarda contra tais ciladas. E acrescentava em conseqüência: "Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas" (1 Corínt., XIV, 32), isto é, é preciso não aceitar cegamente as instruções dos Espíritos, mas submetê-las ao exame da razão. No mesmo sentido, dizia S. João: "Caríssimos, não creais a todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus." (I Epíst., IV, 1) Os "Atos dos Apóstolos" fornecem numerosas indicações acerca das relações dos discípulos de Jesus com o mundo invisível. Aí se vê como, observando as instruções dos Espíritos (38), os apóstolos adquirem maior amplitude de visão das coisas; chegaram a não fazer mais distinções entre as carnes, a suprimir a barreira que separava dos gentios os judeus, a substituir a circuncisão pelo batismo (39). As comunicações dos cristãos com os Espíritos dos mortos eram tão freqüentes nos primeiros séculos, que instruções positivas circulavam entre eles a esse respeito. Hermas, discípulo dos apóstolos, o mesmo que São Paulo manda saudar de sua parte em sua Epístola aos Romanos (XVI, 14), indica, em seu "Livro do Pastor” (40), os meios de distinguir os bons dos maus Espíritos. Nas linhas seguintes, escritas há mil e oitocentos anos, julgar-se-ia ter a descrição fiel das sessões de evocações, tais como, em muitos centros, se praticam em nossos dias: "O espírito que vem da parte de Deus é pacifico e humilde; afasta-se de toda malícia e de todo vão desejos deste mundo e paira acima de todos os homens. Não responde a todos os que o interrogam, nem às pessoas em particular, porque o espírito que vem de Deus não fala ao homem quando o homem quer, mas quando Deus o permite. Quando, pois, um homem que tem um espírito de Deus vem à assembléia dos fiéis, desde que se fez à prece, o espírito toma lugar nesse homem, que fala na assembléia como Deus o quer." (É o médium falante.) "Reconhece-se, ao contrário, os espíritos terrestres, frívolos, sem sabedoria e sem força, no que se agita, se levanta e toma o primeiro lugar. É importuno, tagarela e não profetiza sem remuneração. Um profeta de Deus não procede assim." Os Espíritos manifestavam, então, sua presença de mil modos, quer tornando-se visíveis (41), ou produzindo a desagregação da matéria, como o fizeram para libertar Pedro das cadeias que o prendiam e retirá-lo da prisão (42), quer ainda provocando casos de levitação (43). Esses fenômenos eram, às vezes, tão impressionastes que até mágicos sentiam-se abalados, a ponto de se converterem (44). Penetrados desse espírito de caridade e abnegação, que lhes transfundia o Cristo, os primeiros cristãos viviam na mais íntima solidariedade. "Tudo possuíam em comum" e “eram queridos de todo o povo (45)”. A revelação dos Espíritos continua muito tempo além do período apostólico. Durante os séculos II e III, os cristãos se dirigiam diretamente às almas dos mortos para decidir pontos de doutrina. S. Gregório, o taumaturgo, bispo de Neo-Cesareia, declara “ter recebido de João Evangelista, em uma visão, o símbolo da fé pregado por ele na sua igreja (46) “. Orígenes, esse sábio que S. Jerônimo considerava o grande mestre da Igreja, depois dos apóstolos, fala muitas vezes, em suas obras, da manifestação dos mortos. Em sua controvérsia com Celso, diz ele: “Não duvido de que Celso escarneça de mim; as zombarias, porém, não me impedirão de dizer que muitas pessoas têm abraçado o Cristianismo a seu pesar, tendo sido de tal modo seu coração repentinamente transformado por algum espírito, quer numa aparição, quer em sonho, que, em lugar da aversão que nutriam pela nossa fé, adotaram-na com amor até a ponto de morrer por ela. Tomo Deus por testemunha da verdade do que digo; Ele sabe que eu não pretendo recomendar a doutrina de Jesus-Cristo por meio de histórias fabulosas, mas com a verdade de fatos incontestáveis (47)”. O imperador Constantino era pessoalmente dotado de faculdades mediúnicas e sujeito à influência dos Espíritos. Os principais sucessos de sua vida - sua conversão ao Cristianismo, a fundação de Bizâncio, etc. - assinalam-se por intervenções ocultas, do que se pode ter a prova nos seguintes fatos que vamos buscar à narrativa do Sr. Alberto de Broglie, imparcial e severo historiador, pouco inclinado ao misticismo (48): "Quando planejava apoderar-se de Roma, um impulso interior o induziu a se recomendar a algum poder sobrenatural e invocar a proteção divina, com apoio das forças humanas. Grande era, porém, o embaraço para um piedoso romano dessa época... A si mesmo ansiosamente perguntava de que Deus iria implorar a assistência. Caiu, então, em absorta meditação das vicissitudes políticas de que fora testemunha." Reconhece que depositar confiança na multidão dos deuses traz infelicidade, ao passo que seu pai Constancio, secreto adorador do Deus único, terminara seus dias em paz. “Constantino decidiu-se a suplicar ao Deus de seu pai que prestasse mão forte à sua empresa”. "A resposta a essa prece foi umas visões maravilhosas, que ele próprio referia, muitos anos depois, ao historiador Eusébio, afirmando-a sob juramento e com as seguintes particularidades: Uma tarde, marchando à frente das tropas, divisou no céu, acima do sol que já declinava para o ocaso, uma cruz luminosa com esta inscrição: Com este sinal vencerás. Todo o seu exército e muitos espectadores, que o rodeavam viram como ele, estupefato, esse prodígio. Ficou intrigado com o que poderia significar essa aparição. À noite o surpreendeu ainda na mesma perplexidade. Durante o sono, porém, o próprio Cristo lhe apareceu com a cruz com que fora visto no céu e lhe ordenou que mandasse fazer, por aquele modelo, um estandarte de guerra que lhe serviria de proteção nos combates. Ao alvorecer, Constantino levantou-se e transmitiu aos confidentes a revelação. Logo foram chamados ourives e o Imperador lhes deu instruções para que a cruz misteriosa fosse reproduzida em ouro e pedras preciosas." Mais adiante, acerca da escolha de Bizâncio para capital do Império, refere o mesmo autor: Quando os olhos de Constantino se detiveram em Bizâncio, não a apresentava mais que os destroços de uma grande cidade. Na escolha que fez, acreditava ele não estar desamparado da intervenção divina. Dizia-se que, por uma confidência miraculosa, fora informado de que em Roma não estaria em segurança o Império. Relativamente a essa escolha, falava-se também de um sonho, etc. Filostórgio refere que: ... na ocasião em que ele (Constantino) traçava com a espada em punho o novo recinto da cidade, os que o acompanhavam vendo que ele se adiantava sempre, de modo a abranger uma área imensa, perguntaram-lhe respeitosamente até onde pretendia ir. - Até o lugar em que pare quem vai adiante de mim – respondeu(49). E provável que, sem o saber, padecesse Constantino a influência dos invisíveis, em tudo o que devia favorecer o estabelecimento da nova religião, em detrimento muitas vezes do bem do Estado e de seus próprios interesses. Seu caráter, sua vida íntima, não sofreram com isso modificação alguma. Constantino se manteve sempre cruel e astucioso, refratário à moral evangélica, o que demonstra ter sido, em tudo mais, um instrumento nas mãos das eminentes Entidades cuja missão era fazer triunfar o Cristianismo. Sobre a questão que nos ocupa, o célebre bispo de Hipona, Santo Agostinho, não é menos afirmativo. Em suas "Confissões(50) o alude aos infrutíferos esforços empenhados por deixar a desregrada vida que levava. Um dia em que rogava com fervor a Deus que o iluminasse, ouviu subitamente uma voz que repetidas vezes lhe dizia: "Tolle, lege; toma, lê". Tendo-se certificado de que essas palavras não provinham de um ser vivo, ficou convencido de ser uma ordem divina, que lhe determinava abrisse as santas Escrituras e lesse a primeira passagem que sob os olhos lhe caísse. Foram exortações de S. Paulo sobre a pureza dos costumes, o que leu. Em dias cartas menciona o mesmo autor "aparições de mortos, indo e vindo em sua morada habitual - fazendo predições que os acontecimentos vêm mais tarde confirmar(51) . Seu tratado "De cura pro mortuis", fala das manifestações dos mortos, nestes termos "Os espíritos dos mortos podem ser enviados aos vivos, podem desvendar-lhes o futuro, cujo conhecimento adquiriram, quer por outros espíritos, quer pelos anjos, quer por uma revelação divina(52). Em sua "Cidade de Deus", a propósito do corpo lúcido, etéreo, aromal, que é o perispírito dos espíritas, trata das operações teúrgicas, que o tornam apropriado a comunicar com os Espíritos e os anjos, e obter visões. S. Clemente de Alexandria. S. Gregório de Nissa em seu "Discurso catequético", o próprio S. Jerônimo em sua famosa controvérsia com Vigilantius, o gaulês, pronunciam-se no mesmo sentido. S. Tomás de Aquino, o anjo da escola, no-lo diz o abade Poussin, professor no Seminário de Nice, em sua obra "O Espiritismo perante a Igreja" (1866), "comunicava-se com os habitantes do outro mundo, com mortos que o informavam do estado das almas pelas quais se interessava ele, com santos que o confortavam e lhe patenteavam os tesouros da ciência divina(53). A Igreja, pelo órgão dos concílios, entendeu dever condenar as práticas espíritas, quando, de democrática e popular que era em sua origem, se tornou despótica e autoritária. Quis ser a única possuir o privilégio das comunicações ocultas e o direito de as interpretar. Todos os leigos, provado que mantinham relações com os mortos, foram perseguidos como feiticeiros e queimados. Mas esse monopólio das relações com o mundo invisível, apesar dos seus julgamentos e condenações, apesar das execuções em massa, a Igreja nunca o pôde obter. Ao contrário, a partir desse momento, as mais brilhantes manifestações se produzem fora dela. A fonte das superiores inspirações, fechada para os eclesiásticos, permanece aberta para os hereges. A História o atesta. Aí estão as vozes de Joana d'Arc, os gênios familiares de Tasso e de Jerônimo Cardan, os fenômenos macabros da Idade Média, produzidos por Espíritos de categoria inferior; os convulsionários de S. Medard, depois os pequenos profetas inspirados de Cavennes, Swedenborg e sua escola. Mil outros fatos ainda formam uma ininterrupta cadeia, que, desde as manifestações da mais remota antiguidade, nos conduz ao moderno Espiritualismo. Entretanto, numa época recente, no seio da Igreja, alguns raros pensadores investigavam ainda o problema do invisível. Sob o título "Da distinção dos Espíritos", o cardeal Bona, esse Fenelon da Itália, consagrava uma obra ao estudo das diversas categorias de Espíritos que podem manifestar-se aos homens. "Motivo de estranheza, diz ele, é que se pudessem encontrar homens de bom senso que tenham ousado negar em absoluto as aparições e comunicações das almas com os vivos, ou atribuí-Ias a extravio da imaginação, ou ainda a artifício dos demônios." Esse cardeal não previa os anátemas dos padres católicos contra o Espiritismo(54) . Forçoso é, portanto, reconhecê-lo: os dignitários da Igreja que, do alto de sua cátedra, têm anatematizado as práticas espíritas, desnortearam completamente. Não compreendem que as manifestações das almas são uma das bases do Cristianismo, que o movimento espírita é a reprodução do movimento cristão em sua origem. Não se lembram de que negar a comunicação com os mortos, ou mesmo atribuí-Ia à intervenção dos demônios, é por em contradição com os padres da Igreja e com os próprios apóstolos. Já os sacerdotes de Jerusalém acusavam Jesus de agir sob a influência de Belzebu. A teoria do demônio fez sua época; agora já não é admissível. A verdade é que o Espiritismo se encontra hoje por toda parte, não como superstição, mas como lei fundamental da Natureza. Sempre existiram relações entre homens e Espíritos, com maior ou menor intensidade. Por esse meio, contínua revelação se propagou no mundo. Flui, através dos tempos, uma grande corrente de energia espiritual cuja fonte é o mundo invisível. Por vezes, essa corrente se oculta na penumbra; vai-se encontrar dissimulada sob a abóbada dos templos da índia e do Egito, nos misteriosos santuários da Gália e da Grécia; só dos iniciados e dos sábios é conhecida. Mas, também às vezes, em épocas determinadas pela vontade de Deus, surge dos lugares ocultos, reaparece em pleno dia, à vista de todos; vem oferecer à Humanidade esses tesouros, essas magnificências esquecidas, que a vêm embelezar, enriquecer, regenerar. E assim que as verdades superiores se revelam através dos séculos, para facilitar, estimular a evolução dos seres. Com o concurso de poderosos médiuns se patenteiam entre nós, pela intervenção dos Espíritos geniais, que viveram na Terra e que nela sofreram pela Justiça e pelo Bem. Esses Espíritos de escol foram restituídos à vida do espaço, mas não cessaram de velar pela Humanidade e com ela corresponder-se. Em certos momentos da História, um sopro do Alto perpassa pelo mundo; as brumas que envolviam o pensamento humano se dissipam; as superstições, as dúvidas, as quimeras se desvanecem; as grandes leis do destino se revelam e a verdade reaparece. Felizes, então, os que a sabem reconhecer e agasalhar!

0 comentários :